O isolamento profiláctico e o direito ao voto

Numa decisão excepcional, os eleitores em situação de confinamento poderão votar presencialmente nas eleições legislativas de janeiro. Esta resolução é o culminar de um longo processo deliberativo com várias propostas em cima da mesa, e abre a porta à consideração de modalidades de voto alternativas em futuras eleições.

A aprovação do voto em isolamento surge como consequência de duas crises: a política, com a dissolução da Assembleia da República e a antecipação das eleições legislativas, e a sanitária, com casos de infecção por Covid-19 a quebrar recordes diariamente.

A proposta que visava permitir o voto em confinamento, através da prorrogação do regime excepcional de exercício de direito de voto, foi aprovada a 15 de Dezembro e provocou um debate aceso sobre os possíveis conflitos entre o direito à saúde e o direito ao exercício de voto.

Apesar de resolver o problema dos eleitores isolados e dos idosos institucionalizados, a medida não prevê soluções para a questão dos infectados nos sete dias anteriores.

A Lei Eleitoral não permite alterações depois de convocadas eleições, e a Comissão Permanente que entrou em funções desde a dissolução do Parlamento não tem poderes para mudar as leis eleitorais. Ainda assim, as propostas por parte de partidos políticos e autoridades sanitárias multiplicam-se.

Recolhemos, neste guia, algumas propostas dos deputados e partidos com representação parlamentar.


Em vários países do mundo onde decorreram eleições durante o primeiro ano de pandemia, foram sugeridas e praticadas soluções para um exercício de voto igualmente acessível a todos os eleitores.

  • VOTO ANTECIPADO

Em Portugal, tal como em várias partes do mundo, esta modalidade de voto foi disponibilizada aos eleitores confinados. No entanto, só é possível votar antecipadamente se o isolamento tiver sido decretado até dia 22 de janeiro – sete dias anteriores à data das eleições.

  • VOTO POR CORRESPONDÊNCIA

Esta modalidade consiste na recepção de um boletim de voto no local de residência do eleitor. Entre 2020 e 2021, 16 países recorreram a este método, com níveis de sucesso variáveis.

  • VOTO POR PROCURAÇÃO

Significa a delegação de autoridade de voto a um representante do eleitor, embora as regras e requerimentos variem de país para país.

  • VOTO NO DOMICÍLIO

Este método de recolha de votos, que implica o transporte de urnas móveis ao local de residência do eleitor, já aconteceu em Portugal em eleições anteriores. Pelo mundo fora, revela-se uma modalidade de voto igualmente popular, com sucesso em mais de 20 países.

  • DRIVE THRU

Os postos drive thru, como os instalados em Portugal para a realização de testes à Covid-19, foram repensados noutros países como assembleias de voto para pessoas infectadas ou em isolamento. Os eleitores acedem a estes postos de carro ou, no caso dos Países Baixos, até de bicicleta.

  • SECÇÕES DE VOTO ESPECIAIS

Alguns países permitiram que cidadãos infectados ou em isolamento cumprissem o seu exercício de voto através do estabelecimento de um horário específico para estes eleitores. Já em 2021, também a Catalunha e Madrid adoptaram este método.

A última opção, relativa às secções de voto especiais, acabou por ser a escolhida para as eleições legislativas portuguesas.

Dia 20 de janeiro de 2022, o Conselho de Ministros aprovou a resolução que concede a título excepcional o direito de exercício de voto presencial a todos os eleitores, incluindo os infectados e os sujeitos a confinamento obrigatório.

  • Em que dia?

No dia designado para as eleições legislativas: 30 de janeiro.

  • A que horas?

A DGS recomenda que o acesso às urnas seja feito, preferencialmente, na última hora de votação: entre as 18:00h e as 19:00h.

  • São necessários cuidados especiais?

Apesar de o Governo e a DGS garantirem todas as condições sanitárias e de saúde e segurança públicas na realização do acto eleitoral, as pessoas infectadas e/ou confinadas deverão cumprir todas as medidas de controlo da pandemia e evitar o contacto com os demais cidadãos. Assim:

– Deverão ser usadas, permanentemente, máscaras cirúrgias ou FP2;

– A deslocação às urnas deverá ser feita através de transporte individual ou a pé. Os transportes colectivos ou individuais de passageiros devem ser evitados;

– No local da votação, deve ser mantida a distância dos demais e reforçada a higiene e desinfecção das mãos.

Face a esta decisão, a opinião dos eleitores divide-se. A uma amostra de 50 eleitores da Freguesia de Rio de Mouro, no Concelho de Sintra, foi proposta a seguinte questão:

Dia 20 de janeiro, foi divulgada a decisão governamental de permitir o voto presencial aos eleitores em situação de isolamento, através da recomendação de um horário específico para esta fatia da população. Concorda com a solução apresentada?

A percentagem que afirmou concordar (43%) argumentou a sua posição com estes factores:

  • Confiança nas medidas sanitárias adoptadas pelas juntas de freguesia
Ping Chen, Estudante, 25 anos
  • Constitucionalidade do direito ao voto
Miguel Gutierrez, Designer gráfico, 26 anos
  • Importância do voto presencial

Estar lá, no local de voto… é muito melhor. Não há tantas hipóteses de acontecerem erros ou fraudes”. Andreia Almeida, Cozinheira, 43 anos

  • Confiança na eficácia da vacina

Apesar de todas as infecções que esta vaga [Omicron] trouxe, estamos vacinados e a doença já não traz sintomas tão graves. Não há razão para ter tanto medo como antes”. Inês Pereira, Veterinária, 36 anos

  • Impossibilidade logística de outras opções

O que é que poderiam fazer? Não quero estar misturado com os infectados, e também percebo que não haja recursos para outras opções como o voto porta-a-porta”. Ângelo Seiça, Gestor financeiro, 52 anos

Os inquiridos que manifestaram dúvidas relativamente à decisão governamental mas optaram por não responder favorável ou desfavoravelmente (28%) e os inquiridos que afirmaram não concordar de todo (20%) expressaram preocupações semelhantes entre si.

  • Incumprimento do horário por parte dos eleitores infectados

Quem é que me garante que os infectados vão na hora estipulada e não noutra altura? Quem é que garante o transporte até às mesas de voto? Como é que podemos saber se estamos realmente em segurança?” Alcina Pereira, Reformada, 73 anos

  • Estigmatização dos eleitores que exerçam o seu direito de voto no horário entre as 18h00 e as 19h00
Maria da Silva, Auxiliar escolar, 55 anos
  • Receio pela segurança dos membros das mesas de voto

Mesmo com máscaras e álcool-gel, quem é que garante a segurança dos membros das mesas de voto, que vão estar em contacto próximo com milhares de infectados?” Pedro Lourenço, Estudante, 26 anos

  • Receio que a abertura desta excepção conduza à quebra de regras da DGS

Se o Governo diz que afinal podemos ir à rua para votar, é claro que há pessoas que vão aproveitar esta excepção para começarem a fazer o que querem. Primeiro saem para votar, depois começam a sair para fazer compras…” Ana Abrantes, Professora, 41 anos

A grande maioria dos inquiridos, independentemente da resposta cedida, parece concordar num ponto essencial: a necessidade de ponderar formas alternativas de votação. Desde o voto ao domicílio ao voto electrónico, o voto presencial é cada vez mais considerado um método “arcaico” que, em particular no contexto pandémico, nem sempre se revela o mais eficaz.

Vera Silva, Esteticista, 42 anos
Adriano Paredes, Desempregado, 58 anos

A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) faz eco desta ideia. Luísa Salgueiro, a Presidente, garante que a Associação vai apresentar propostas de voto ao Parlamento, após um estudo cuidadoso da situação.

Em declarações à Rádio Renascença, sublinha que os métodos de voto devem adequar-se ao desenvolvimento tecnológico e às especificidades do contexto pandémico. Entre as alternativas possíveis, cita o voto electrónico e o drive thru como soluções plausíveis que, de resto, já obtiveram sucesso em diversas partes do mundo.

A Presidente da ANMP, Luísa Salgueiro, em entrevista à Rádio Renascença.

Posted by Carolina Figueiredo